sábado, 14 de abril de 2012

Um dia, não se sabe como, nem por que, os carneiros começam a falar. O primeiro caso é na Austrália: um está sendo tosado e quando o aparelho pinica a sua pele, solta um "Ai!" e depois um "Cuidado, pô", ou o equivalente em inglês australiano.

Depois surgem notícias de que um fazendeiro americano flagrara um grupo de carneiros cochichando entre si. Tinham parado ao ver o fazendeiro, e disfarçado, mas o fazendeiro ouvira o bastante pra desconfiar que stavam tramando alguma coisa, talvez uma fuga. O certo é que falavam, ou cochichavam, como gente.

Depois é num abatedouro, na Europa. Quando chega a sua vez de ser abatido, um carneiro começa a gritar "Não! Não!" e tem de ser retirado da fila pra não agitar os outros. é o único carneiro do lote a ser sedado antes da execução.

Algumas semanas depois, não um, mas vários carneiros protestam em altos brados antes de serem abatidos. Gritam coisas desconexas, mas é claro que têm uma noção do fim que os espera, e se sua argumentação é confusa, sua inconformidade é clara.

Um pastor da Nova Zelândia conta que passou a conversar com seus carneiros depois que um, para sua surpresa, lhe disse "Bom dia". Confirma que nenhum tem um discurso, assim, muito coerente, dada sua pouca familiaridade com a fala, e alguns recaem num "mé, mé" automático, enquanto tentam sistematizar o pensamento. Mas se eles não têm uma idéia definida do que querem, sabem bem o que não querem. Não querem mais ser tratados como carneiros.

Instala-se o pânico, primeiro na indústria da carne (como se não bastasse a vaca louca, agora o carneiro loquaz!), depois em outros setores da economia mundial. Se os ovinos falam, o que impedirá os suínos de também se manifestarem ? E os bovinos de pedirem a palavra ? E se a rebeldia se alastra pelo mundo vegetal ? E se as árvores inventarem de gemer de dor e gritar slogans ambientalistas à mera aproximação de uma motoserra ? Em breve, todas as comodidades do mundo estariam dando palpite sobre seu próprio destino. Seria o caos.

Alguns analistas sustentam que os carneiros falantes são um fenômeno passageiro. Outros dizem que só falar não dá aos carneiros nenhum poder, e que eles podem continuar sendo tratados como carneiros - embora, claro, a velha passividade fosse preferível à nova tagarelice, e os protestos na hora da morte peguem mal em termos de RP. E, afinal, as manifestações de carneiros são esparsas, em lugares dispersos, e não são uma ameaça tão grande assim. 

- Mas - lembra alguém, dando voz ao grande medo... - E se eles fizerem um fórum?


Luis Fernando Verissimo